quarta-feira, 6 de julho de 2011


A Carta aos Filipenses – Hino Cristológico (Fl 2,6-11)
 
Diác. Neimar Demarco

Um pouco sobre a história da cidade de Filipos
A cidade de Filipos foi fundada no século VII a.C, e era chamada inicialmente de Krênides (= cidade das fontes). Alexandre Magno mudou o nome dessa cidade para Filipos em honra a seu pai Filipe I, que era rei da Macedônia. Filipe II fortificou e ampliou a nova cidade, reformou a cidade e reorganizou. Por volta do ano 31 a.C. tornou-se uma colônia romana e um centro militar, comercial e cultural.  Também, nesta colônia romana moravam muitos militares aposentados, que ganhavam um determinado espaço de terra em recompensa pelo trabalho prestado ao império romano. Por ser povoada por muitos militares, era muito forte a adoração ao Imperador e muitos outros deuses com os mais variados cultos, o culto ao imperador e aos deuses das religiões mistéricas. A população estava divida em classes: classes superiores – artesões, comerciantes, construtores e carregadores para transportes e por outro lado, a população nativa que cultivava a terra e cuidavam do gado. Como era uma colônia do Império Romano, deveriam ajudar a sustentar o império, com o pagamento de impostos. O poder político era controlado pela aristocracia local e o império dava total apoio para os ricos, pois era o poder, a riqueza e prestigio que distinguia os níveis sociais no Império.
O contexto de escravidão era predominante. Na cidade residiam as classes dominadas, formadas pelo proletariado urbano, pelas massas escravas, por trabalhadores livres e por desocupados. Em sua grande maioria eram pessoas que saíram do meio rural, por que foram "engolidas" pelos grandes proprietários de terra. Foram obrigadas a vender as suas terras. As pessoas que migravam para as aldeias e povoados, eram dominados pelos ricos, tornando-se mão de obra barata e explorada[1].
A comunidade de Filipos, foi a primeira comunidade cristã da Europa que Paulo fundou, por volta do ano 50, em sua segunda viagem missionária. Não havia sinagoga em Filipos e não se sabe onde ele se hospedou. A comunidade foi formada a partir de um grupo de mulheres, alguns poucos judeus e pessoas provindas de outros povos. Pode-se dizer que Paulo entra pela porta das pessoas que eram simpatizantes do judaísmo.
A carta foi escrita por Paulo e Timóteo (1,1), possivelmente em Éfeso, por volta do ano 55, quando estava na prisão.
Estrutura da Carta:
Possivelmente seja uma coleção de  três cartas, escritas em três momentos:
1)                           Fl 4,10-20 – Trata-se de um bilhete onde Paulo agradece a comunidade por terem mandado mantimentos para ele na prisão.
2)                           Fl 1,1-3,1; 4,2-7. 21-23 – Esta carta, provavelmente, foi levado por Epafrodito. Paulo exorta a comunidade e anuncia o Hino cristológico.
3)                           Fl 3,2-4,1. 8-9 – Possivelmente Paulo não estava mais preso e estava em Corinto. O tema desta carta é o conflito com os judaizantes.
O assunto principal da Carta aos Filipenses é a cristologia e devida a esta importância e centralidade do anúncio paulino, nos limitaremos a elaborar uma reflexão com base no Hino cristológico presente em Filipenses 2, 6-11.
Há muitas divergências quanto a autoria do Hino, pois não se sabe se ele foi escrito pelo próprio Paulo, ou se já era um Hino litúrgico usado pelas comunidades. Talvez elaborado por um grupo de pessoas de uma comunidade cristã, como uma síntese dos diversos temas bíblicos[2].

Hino Cristológico

Ele tinha a condição divina,
mas não se apegou a sua igualdade com Deus.
Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo,
assumindo a condição de servo
e tornando semelhante aos homens.
Assim, apresentando-se como simples homem,
humilhou-se a si mesmo,
tornando-se obediente até a morte,
e morte de cruz!

Por isso, Deus o exaltou grandemente,
e lhe deu o Nome
que está acima de qualquer outro nome;
para que, ao nome de Jesus,
se dobre todo joelho
no céu, na terra e sob a terra;
e toda língua confesse
que Jesus Cristo é o Senhor,
para a glória de Deus Pai [3].

A primeira parte do Hino (Fl 2,6-8) apresenta um movimento kenótico, onde afirma a divindade de Cristo e seu processo de esvaziamento. Assumindo a condição humana, também assumiu a condição de servo, tornando-se semelhante aos homens. Humilhando-se a si mesmo, foi obediente até a morte de cruz. Jesus, consciente de ser o Filho amado de Deus e livremente, se coloca ao lado dos pobres e excluídos, sem exercer no meio deles algum privilégio. A primeira parte desse Hino revela uma descida kenótica de Jesus, até a morte de cruz como um mal feitor. Ele desceu até o poço mais fundo da humanidade, da solidão humana.
Neste Hino, Paulo anuncia o Evangelho da cruz. No entanto, naquela época, e também nos tempos atuais, é difícil entender e aceitar que Deus padeceu daquela forma. É muito mais fácil aceitar um Jesus desencarnado, que suportou as dores sem nenhum problema, e assim ele também nos livra do compromisso de nos encarnarmos nas realidades de miséria e de morte de nossos irmãos, privando-nos de nos esvaziar de nossos orgulhos e renunciar nossos apegos.
No entanto, o ponto alto da primeira parte do Hino se encontra justamente na morte de cruz. Foi optando e realizando esse processo de esvaziamento, que Jesus apresentou o projeto do Reino de Deus, pois não estava apegado a nenhum privilégio humano e por isso se colocava ao lado daqueles que nada tinham, que perderam seus bens juntamente com sua dignidade. Por estes e por todos, Jesus se oferece como sacrifício para reconciliar a humanidade com Deus (Cf. Is 52,13-53,8). Foi assim que Jesus revelou o projeto de Deus, sendo em tudo obediente ao Pai e “esvaziando-se daquelas realidades humanas das quais com dificuldade abrimos mão: prerrogativas, posição social, honra, dignidade, fama e, o que é mais precioso, a própria vida”[4].
Na segunda parte do Hino (Fl 2,9-11), o sujeito é Deus. Há um movimento de subida. Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos e lhe concedeu o Nome que está acima de todo o nome, diante do qual toda a criação se prostra, seja no céu ou na terra, conferindo-lhe o título de Senhor. Assim, quando as pessoas reconhecem a humanidade de Jesus, Deus é glorificado, pois reconhecem assim o plano salvífico de Deus, que enviou seu Filho único ao mundo para que a humanidade fosse salva por meio dEle e participasse de sua divindade.
Assim, o Evangelho da cruz se tornou para os cristãos, um caminho de seguimento, de entrega e de amor divino. Muitos, homens e mulheres, no decorrer da história da Igreja, seguindo os passos de Jesus, trilharam esse caminho Kenótico por amor, a fim de colaborar na construção do Reino de Deus e contemplar a glória de Deus. O Hino termina com uma profissão de fé que era professada pelos primeiros cristãos: “e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai”[5]. Por tanto, o Evangelho anunciado neste Hino, é a exaltação daquele que se fez servo obediente até a morte, e morte de cruz. No entanto, só o compreende à luz da encarnação divina, aquele que está disposto a seguir Jesus e se encarnar nas realidades de maiores necessidades de nossas comunidades, como um processo kenótico.


Bibliografia:
BÍBLIA, Português. Bíblia Pastoral. Trad. Ivo Storniolo e Euclides Balancin. São Paulo: Paulinas, 1990.
BOTOLINI, José. Como Ler. A Carta aos Filipenses: O Evangelho encarnado. São Paulo: Paulinas, 1991.
CONBLIN, José. Comentário Bíblico, Epístola aos Filipenses. Petrópolis: Vozes, 1985.
LAZIER, Josué Adam. A alegria segundo a experiência de Paulo com os Filipenses. Estudos Bíblicos, 53, Petrópolis: Vozes, p. 101-106, 1997.  



[1][1] Cf. Lazier, Josué Adam. A alegria segundo a experiência de Paulo com os Filipenses. Estudos Bíblicos, p. 102.
[2] Cf. CONBLIN, José. Epístola aos Filipenses, Comentário Bíblico. p. 37-38.
[3] Fl 2,6-11.
[4] BOTOLINI, José. Como Ler. A Carta aos Filipenses: O Evangelho encarnado. p. 26.
[5] Fl 2,11.


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